Sozinho



Viagens solitarias
Se pretende explorar seu interior, você deve primeiro cair na estrada...

Tenho febre. Estou desorientado. Desquilibrado.
Faz sete dias que chequei meus email pela ultima vez. Uma semana desde que postei no Facebook, assisti a um DVD ou usei meu celular. Foi um alivio, na verdade. Mas agora que resolvi voltar, não consigo faze-lo a tempo.
O problema é que sai do radar. Não consigo achar internet em lugar algum. Nem tinha percebido. Mas agora percebo.
Monto na minha moto e acelero ao longo da costa. Na verdade, acho que estou meio perdido. O semáfaro se aproxima rapidamente. Naos vejo um desses há dias. Passo no vermelho e vejo um guarda me encarando dez metros à frente. Ele aponta para min e apita. É hora do suborno.
Olho para o outro lado da rua e acelero minha moto. Passo pelo guarda em alta velocidade e aceno respeitosamente. “Não, obrigado”.
No espelho retrovisor, vejo o gritar no radio. Na próxima olhadela, já está subindo em sua moto. Sirene ligada. Perseguição.
Um quilômetro de estrada. Pisando fundo. Na primeira curva, entro em uma estradinha de terra e sigo até chegar a uma praia de pedras. Estaciono, desço da moto e sento calmamente em um paredão de frente para o mar. Sinto meu coração batendo acelerado.
Um pointbreak de direita quebra na minha frente. Uma onda que eu nunca soube existir. Uma enseada verde esmeralda. Tubos azuis perfeitos. Dois caras na água. Minha prancha está pronta, já com parafina. Já estou de bermuda. Queimado. Suado. Procurado. Atropelo as pedras e mergulho na água.
Nem me lembro mais por que estava com pressa.

TRAGA NADA.
A hora da partida foi marcada por ansiedade. “Talvez só um iPhone”, negociei. Talvez só cyber cafés. Emergências e coisas importantes de trabalho. Como um junkie, estou racionando eletrônicos. Mídia. Conectividade. Só mais uma dose... para a estrada.
O primeiro passo é o mais difícil. Uma vez, fiquei cinco dias sem dormir para ver o que acontecia (um pesadelo acordado). Já fiquei dias sem comer (purificação total) e três dias sem falar (por birra mesmo). O objetivo não é parar. É ganhar perspectiva. Assumir o controle. Você nem sabe o que tem até não possui-lo mais.
Aí já é tarde de mais.
Ontem, me mudei da minha casa em Bali. Coloquei minha vida em um armazém e meu cachorro na rua. Guardei meu laptop em uma mala. Meu telefone, carregadores, cabos, leashes, GPS, raspador, abridor de garrafa, iPod à prova d’água e matador de mosquitos... tudo. Enfiei numa cabana e disse adeus.
Uma prancha. Uma bermuda. Algumas camisetas. Subo numa motocicleta e me mando. Vento no cabelo. Insetos nos dentes. A estrada vai passando e finalmente estou livre.
O primeiro passo é o mais difícil. O segundo é o mais divertido.

VÁ A LUGAR NUNHUM.
Quatro surfistas australianos brigam no estacionamento, tentando decidir se vão cair na água ou não.
Paro minha moto e passo por eles andando. Nada para esconder. Nenhuma preparação. Estaciono e começo a remar. Em minutos estou surfando.
Essa é a beleza de viaja sozinho. A parte fácil.
A parte difícil é deixar de se preocupar. Às vezes você quer vibrar com amigos, tirar uma foto e impressionar o pessoal em casa. Não rola.
Não estou apenas sem eletrônicos. Estou sem companhia, sem cartão de credito, sem mapa, sem planos, sem planos, sem motivos, sem noção... tudo aquilo que confirmava minha antiga existência foi-se  de uma vez.
Vejo uma onda e saio remando. Nada para esconder. Nada para mudar. Ninguém para discutir. Nenhum lugar para estar. O surf nunca foi tão simples.
A onde é grande e diferente. Pego algumas séries. Tomo outras na cabeça. A diferença é pequena. As tentativas  e vitórias são minhas e de ninguém mais. Surf não é esporte de equipe.
Uma calmaria me dá tempo para pensar.

SEJA NINGUÉM.
Hoje sou arqueólogo freelance, não muito diferente de Indianas Jones. Ontem fui um poeta premiado, escrevendo um livro de sonetos para a estrada. Ao invés de trocar de roupa, troco de vida.
“Você não precisa de muita coisa por aqui,” afirma meu novo amigo, Matty. Ele veste calças de ioga e usa dreads, acampando e esticando  suas economias o quanto pode.
Suco de frutas, tofu e surf, seu programa simples acaba com minha imersão desesperada. Estou apavorado, tentando “ficar sem”, e ele só está de férias. O surf torna as pessoas independentes. Gosto disso.
O mar está grande, perco meus dias sem exaltação.
Essa busca inútil por ondas é como u antidoto para a maluquice evolucionaria do ser humano. Viagens de barco e ilhas desertas. Mares abertos e caldos longos e escuros... Temos nosso próprio centro de reabilitação. Lugares pacíficos. O futuro nunca nos encontra.
Nas grandes cidades do mundo, milhões de pessoas estão olhando para seus celulares, tentando se conectar. Aqui na água, já estamos conectados.
O oceano. O pôr-do-sol. A maré invisível. Estou sozinho. Sou eu mesmo. Logo em seguida, pego uma onda e não sou ninguém.


NÃO DECIDA.
Quando você está sozinho não existe manobra mal executada. Ninguém para culpar. Nem para errar.
Dias passam despercebidos. Sem post no Facebook nem email, talvez nem existam.
O swell desaparece. A maré não se move. A lua desaparece.
Jogo pedras na água. Converso com gatos. Parto sem avisar ninguém e sigo rumo ao céus.
Em algum lugar nas montanhas, bebo café colhido por perto e torrado frente ao meus olhos. Bebo sopa de legumes de uma horta local. Fofoco com velhinhas sobre arroz e pipas. Canto caraoquê e leio metade de um romance.
Quando retorno ao mar, a água está imóvel. Mergulho com garrafa. Pesco. Quebro nuvens com pensamentos.
Questiono por que precisava de tudo aquilo que estou sem. Criaturas tão esquisitas e cheias de necessidades. Macacos aficionados com Deus e com tendências suicidas.
As pessoas fumaram cigarros por anos antes que alguém lhes dissesse que causa câncer. Mesmo assim, continuaram fumando. Quanto tempo até descobrirmos que nossos celulares causam transtornos de déficit de atenção e redes sociais causam retardo social? Já estão abrindo centro de reabilitação para viciados em internet, o que significa que provavelmente é tarde de mais.
O surf não é assim. O surf monitora nossa dosagem com marés, ventos e flats. O surf é seu próprio centro de reabilitação. Um lugar em que o mundo não pode nos afugentar.
Penso se é hora de parar.
Tem sido surreal.

NUMCA CHEGUE.
Estou indo para casa quando percebo que não tenho casa. Estou procurando internet quando percebo que não ligo para a internet. Estou indo em direção ao mundo quando percebo que o mundo é que está se lançando em minha direção.
É ai que passo no farol vermelho. É ai que o guarda apita. E á aí que acelero pela minha vida e acabo surfando uma onda que nem conhecia.
Acho que tudo isso deve significar alguma coisa.
Ou não.
Viajar sozinho é procurar por algo que você já tem. Ao deixar sua vida, você descobre exatamente onde ela está. Perspectiva é um espelhos retrovisor.
O vento deveria estar soprando, mas não está. O swell geralmente não chega a esse ponto da costa mas chegou. Eu não deveria estar aqui sozinho, mas estou.
Estou morrendo de vontade de contar para alguém sobre a emoção de viajar sozinho.
... E irei. !!!







- Como diria  um presidente do Brasil.
 "Nunca na história desse país você teve tantas opções de equipamento para cair na água e dropar umas ondas."




Meu nome não é Padero; 

Comentários

Este comentário foi removido pelo autor.
só sempre estamos sós.
outro lado disse…
gostei! seu blog é mto interessante parabens! - é tao bom ver blogs com conteudo!
Letícia Mota disse…
Parabéns pelo blog!!!
Já estou te seguindo, se der, retribua...
meu blog é: http://modaeexcelencia.blogspot.com/
ascka disse…
Eu gostei do fim, mas não gostei muito do meio, acho que ficou meio disperso demais.

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